Macacos-Prego Idosos Apresentam Lesões Típicas da Doença de Alzheimer

À medida que envelhecem, os macacos-prego, um dos primatas mais inteligentes das Américas, podem apresentar no cérebro os mesmos tipos de lesão que caracterizam a doença de Alzheimer. Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e do Centro de Primatologia da Universidade de Brasília (UnB) identificaram em dois animais idosos – um de 29 e outro de 33 anos – tanto as placas de peptídeo beta-amiloide, formadas pelo acúmulo desses fragmentos de proteína ao redor dos neurônios, quanto os emaranhados neurofibrilares de proteína tau, que se concentram no interior dessas células e as matam. Nem as placas nem os emaranhados foram encontrados no cérebro de um animal adulto jovem, de 9 anos. Os achados foram publicados em março na revista Scientific Reports e podem, segundo os autores, abrir caminho para que os macacos-prego sejam adotados como um modelo natural para estudar a evolução e o tratamento da doença de Alzheimer, a forma mais comum de demência nos seres humanos.

A ideia de verificar se algo semelhante ao Alzheimer ocorria também em macacos-prego surgiu anos atrás, quando o neurologista Ricardo Nitrini, da FM-USP, estudioso da epidemiologia das demências no Brasil e um dos coordenadores da pesquisa, conheceu a psicóloga Maria Clotilde Tavares. Especialista em neurociência e comportamento, Tavares já coordenava o Centro de Primatologia da UnB, onde viviam os animais usados no estudo. “Esperamos a morte natural deles antes de realizar a avaliação do tecido cerebral”, relata Nitrini.

Com tamanho variando de 35 a 48 centímetros (sem a cauda) e pesando até 4,8 quilos, os macacos-prego (Sapajus libidinosus) estão entre os primatas não humanos mais comuns das Américas. No Brasil, vivem em praticamente todos os biomas, dos mais úmidos, como a Amazônia e a Mata Atlântica, aos mais secos, como o Cerrado e a Caatinga. Eles atraem o interesse de quem investiga o declínio cognitivo porque, além de abundantes, apresentam habilidades manuais e comportamentos mais sofisticados do que outros macacos, como o uso e a produção de ferramentas para caçar ou extrair castanhas, algo ensinado de uma geração para outra. A essas características, somam-se outros dois fatos. Neles, o tamanho do cérebro em relação ao do corpo – o chamado quociente de encefalização, um indicador de inteligência – é superior ao da maioria dos outros primatas não humanos, e eles têm o cérebro anatomicamente mais semelhante ao das pessoas, com dobras e sulcos, do que outras espécies de macacos, em particular as nativas do continente.

“Esses animais têm uma plasticidade comportamental muito grande e se adaptam a diferentes ambientes. Acredito que, com esse estudo, eles passarão a ser mais valorizados para a investigação das doenças neurológicas”, conta Tavares, da UnB. “Os macacos-prego têm uma vida longa, que pode chegar aos 40 anos em cativeiro. Isso deve permitir estudar como a degeneração cerebral afeta, com o tempo, as habilidades desses animais”, comenta o primatólogo Tiago Falótico, pesquisador e atual presidente da organização não governamental Neotropical Primates Research Group (NeoPReGo). Falótico investiga o uso de ferramentas e a evolução cultural dos macacos-prego e não participou do trabalho publicado na Scientific Reports, realizado com financiamento da FAPESP, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Alzheimer’s Association e dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos.