Arbovírus, mosquitos e potenciais hospedeiros sendo rastreados em tempo real na cidade de São Paulo

A mesma tecnologia utilizada para sequenciar o vírus SARS-CoV-2 em tempo recorde no início da pandemia de COVID-19 foi testada com sucesso no monitoramento de arboviroses, ou seja, de doenças transmitidas principalmente por mosquitos.

Em um artigo publicado na revista Microbiology Society, pesquisadores do Instituto Pasteur e colegas da Universidade de São Paulo e da Universidade de Birmingham descreveram o uso de uma tecnologia para sequenciamento de RNA de vírus e de DNA de mosquitos ingurgitados (cheios de sangue) coletados na cidade de São Paulo. Dessa forma, é possível compreender como os arbovírus circulam e obter indícios de futuros surtos de dengue, zika, chikungunya e febre amarela, entre outras doenças.

Esse estudo foi a prova de conceito de que é possível usar essa tecnologia de metagenômica para amostras de invertebrados. É um protocolo que revela de modo simultâneo a diversidade viral, as espécies de mosquitos e os hábitos alimentares desses insetos. Também tem o potencial de aumentar a compreensão da diversidade genética dos insetos e da dinâmica de transmissão das arboviroses.

O protocolo foi desenvolvido por pesquisadores do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), apoiado pela FAPESP. O rastreamento de arboviroses foi possível graças à adaptação de uma técnica de metagenômica rápida desenvolvida durante o doutorado de Ingra Morales Claro, bolsista da FAPESP.

Fazer esse teste de rastreamento é importante, pois o uso dessa tecnologia também se mostrou rápido e eficiente para a investigação em arboviroses. O teste que realizamos não é a vigilância em si, mas uma parte importante. A isso aliamos diversas informações, como dados epidemiológicos, que possibilitam antever como está a situação para possíveis novos surtos de doença.

A tecnologia denominada nanopore sequencing permite a análise direta e em tempo real de longos fragmentos de DNA ou RNA. Ela funciona monitorando as mudanças em uma corrente elétrica à medida que os ácidos nucleicos passam por um nanoporo de proteína. O sinal resultante é decodificado para fornecer a sequência específica de DNA ou RNA. O resultado pode ser comparado imediatamente a banco de dados de sequenciamento genético, identificando informações variadas, como, por exemplo, qual espécie corresponde ao material estudado.

A metagenômica em tempo real pode ser usada para a detecção de vírus emergentes ou em amostras de pacientes infectados por patógenos desconhecidos, não sendo necessário o uso de reagentes desenvolvidos especificamente para um determinado microrganismo, como ocorre em testes convencionais.

Os bons resultados do teste da tecnologia no rastreamento de arbovírus em mosquitos abrem caminho para novos estudos e descobertas. A junção das informações confere uma oportunidade única de vincular novos arbovírus aos mosquitos vetores desses patógenos. Além disso, permite a identificação de animais com potencial de serem infectados por esses vírus, mensurando o risco de propagação para as populações humanas. Por ser uma tecnologia portátil, pode possibilitar a descoberta de arbovírus desconhecidos em ambientes remotos. Finalmente, o método pode constituir a base de um sistema de detecção de alerta precoce, identificando arbovírus antes de se espalharem para as populações humanas, podendo ser usado como ferramenta em sistemas sentinela para prevenir futuros surtos de arbovírus.