A Complexa Vida Social dos Vírus

Desde que os vírus vieram à tona no final do século XIX, os cientistas os diferenciaram do resto da vida. Os vírus eram muito menores do que as células, e dentro de suas conchas de proteína carregavam pouco mais do que genes. Eles não conseguiam crescer, copiar seus próprios genes ou fazer muito coisa. Os pesquisadores assumiram que cada vírus era uma partícula solitária flutuando sozinha pelo mundo, capaz de se replicar apenas se acontecesse de esbarrar na célula certa que pudesse recebê-lo.

Essa simplicidade foi o que atraiu muitos cientistas para os vírus em primeiro lugar, disse Marco Vignuzzi, virologista do Laboratório de Doenças Infecciosas da Agência de Ciência, Pesquisa e Tecnologia de Cingapura. “Estávamos tentando ser reducionistas”.

Esse reducionismo valeu a pena. Os estudos sobre os vírus foram cruciais para o nascimento da biologia moderna. Não tendo a complexidade das células, eles revelaram regras fundamentais sobre como os genes funcionam. Mas o reducionismo viral teve um custo, disse Vignuzzi: ao assumir que os vírus são simples, você se cega para a possibilidade de que eles possam ser complicados de maneiras que ainda não conhece.

Por exemplo, se você pensar nos vírus como pacotes isolados de genes, seria absurdo imaginar que eles têm uma vida social. Mas Vignuzzi e uma nova escola de virologistas com ideias semelhantes não acham isso absurdo de forma alguma. Nas últimas décadas, eles descobriram algumas características estranhas dos vírus que não fazem sentido se os vírus forem partículas solitárias. Eles estão, ao invés disso, descobrindo um mundo social maravilhosamente complexo de vírus. Esses sociovirologistas, como os pesquisadores às vezes se chamam, acreditam que os vírus fazem sentido apenas como membros de uma comunidade.

Desde já, a vida social dos vírus não é exatamente como a de outras espécies. Os vírus não postam selfies nas redes sociais, não se voluntariam em bancos de alimentos, ou cometem roubo de identidade como os humanos. Eles não brigam com aliados para dominar uma tropa como os babuínos; eles não coletam néctar para alimentar sua rainha como as abelhas; nem mesmo se agrupam em tapetes viscosos para sua defesa comum como algumas bactérias fazem. No entanto, os sociovirologistas acreditam que os vírus podem trapacear, cooperar e interagir de outras maneiras com seus colegas vírus.

O campo da sociovirologia é ainda jovem e pequeno. A primeira conferência dedicada à vida social dos vírus aconteceu em 2022, e a segunda acontecerá em junho. Um total de 50 pessoas estarão presentes. Ainda assim, os sociovirologistas argumentam que as implicações de seu novo campo podem ser profundas. Doenças como a gripe não fazem sentido se pensarmos nos vírus isoladamente uns dos outros. E se pudermos decifrar a vida social dos vírus, podemos ser capazes de usá-la para combater as doenças que alguns deles criam.

Sob Nossos Narizes

Algumas das evidências mais importantes para a vida social dos vírus têm estado à vista por quase um século. Após a descoberta do vírus da gripe no início dos anos 1930, os cientistas descobriram como cultivar estoques do vírus injetando-o em um ovo de galinha e deixando-o se multiplicar dentro dele. Os pesquisadores podiam então usar os novos vírus para infectar animais de laboratório para pesquisa ou injetá-los em novos ovos para continuar cultivando novos vírus.

No final da década de 1940, o virologista dinamarquês Preben von Magnus estava cultivando vírus quando notou algo estranho. Muitos dos vírus produzidos em um ovo não conseguiam se replicar quando ele os injetava em outro. No terceiro ciclo de transmissão, apenas um em cada 10.000 vírus conseguia se replicar. Mas nos ciclos seguintes, os vírus defeituosos se tornaram mais raros e os que se replicavam se recuperaram. Von Magnus suspeitava que os vírus que não conseguiam se replicar ainda não tinham terminado de se desenvolver, e por isso ele os chamou de “incompletos”.